quarta-feira, 1 de abril de 2009

Introdução à Ontologia

Iniciamos aqui um percurso pela filosofia no qual partimos de uma elaboração da compreensão de aspectos básicos da existência que nos ajuda a pensar a questão do sentido do ser. Abordaremos essa questão a partir de alguns tópicos importantes referentes à história da filosofia desde a antiguidade.

A QUESTÃO DA UNIDADE E DIVERSIDADE DO SER

O primeiro deles trata da questão da unidade e diversidade do ser. Essa questão, que teve conseqüências importantes nos âmbitos físico, biológico, social e psíquico, requer uma interpretação existencial que elabore uma compreensão propriamente filosófica do tema.
No âmbito físico, a questão da unidade e diversidade do ser pode ser pensada a partir das posições de dois pensadores gregos do período inicial da filosofia convencionalmente chamado de pré-socrático. A posição de Heráclito se expressa paradoxalmente através do fragmento que diz:

“Tudo é um e o todo é em si mesmo diversificado”.

Essa perspectiva afirma simultaneamente a unidade do ser em sua totalidade – na medida em que compreende todos os seres interligados compondo uma unidade totalizadora - e a diversidade do ser em sua multiplicidade. Por outro lado, negando qualquer unidade abrangente que abarque todos os seres existentes, Demócrito expressa sua visão fragmentária da existência afirmando que:

“A matéria é constituída por átomos”

Essa perspectiva inaugura uma interpretação materialista da existência na medida em que interpreta a realidade a partir das condições materiais da existência. Ela compreende a unidade do ser apenas em sentido parcial, referente à integridade das coisas existentes, cujos átomos integram a unidade de cada objeto, sem compor com outros objetos uma unidade totalizadora.
Essas perspectivas tiveram desdobramentos diferenciados ao longo da história do pensamento. A perspectiva de Heráclito ganhou um reforço com o advento da Física clássica através da explicação de Newton do fenômeno da atração gravitacional entre os corpos, na medida em que se compreendeu que dois corpos quaisquer do universo estão interligados pela atração gravitacional, cuja intensidade é proporcional à massa de cada um e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles.
Já a perspectiva de Demócrito foi em parte confirmada pela física contemporânea e em parte rejeitada. A confirmação se deu pela compreensão de que a matéria é sim formada por átomos, no entanto, os átomos não são indivisíveis como pensava Demócrito, ao usar essa palavra que em grego significa indivisível.
No âmbito biológico da questão, a unidade e diversidade do ser pode ser considerada a partir da compreensão dos ecossistemas que compõem uma unidade constituída por uma diversidade de espécies interagindo e contribuindo desse modo para a sustentabilidade da vida nessa meio. Essa biodiversidade tem sido compreendida como o principal fator para a manutenção do equilíbrio de um ecossistema através do fenômeno da regulação mútua entre as espécies no ciclo da cadeia alimentar.
No âmbito social da questão, a unidade e diversidade do ser pode ser considerada em termos da unidade social constituída pelas coletividades humanas e a diversidade em termos dos diversos indivíduos participantes do coletivo. A individualidade precisa ser valorizada em sua singularidade e vivida através do processo de diferenciação individual no qual os seres exercem sua diferença e são respeitados nesse exercício. A união da coletividade em função de seus propósitos também precisa ser valorizada como coesão e promovida através da integração entre os membros gerada pelo sentido da solidariedade. Isso possibilita pensar numa harmonização desses princípios de unidade e diversidade social através da noção de uma individualidade solidária que evita os exageros extremistas do individualismo, por um lado, e do coletivismo, por outro. No caso do coletivismo, como tem ocorrido nos sistemas totalitários dos países comunistas, há um prejuízo do exercício da individualidade que é imposto em nome da coletividade, sacrificando a liberdade individual. No caso do individualismo, como ocorre nos sistemas excludentes dos países capitalistas, há um prejuízo da coletividade em favor de alguns indivíduos que são economicamente privilegiados e que desenvolvem uma forma de egoísmo nociva à existência em sociedade na medida em que se tornam indiferentes às condições de vida de muitos outros seres que experimentam a pobreza e a miséria, perdendo com isso o sentido de solidariedade e gerando uma fragmentação social devido às tensões desencadeadas que fazem surgir conflitos vividos de modo violento.
Com relação ao âmbito psíquico da questão, a diversidade psíquica é experimentada por cada um de nós na medida em que diferentes características da personalidade emergem nos diversos contextos em que vivemos nossas relações. A personalidade tende a desenvolver em cada contexto as características mais apropriadas a ele de modo que a personalidade se torna múltipla e isso gera a necessidade de uma integração da personalidade que produza um sentimento de unidade psíquica. Essa integração é algo que se conquista ao longo de um lento processo de amadurecimento no qual se busca dar coerência à personalidade, buscando os nexos entre essas diferentes características da personalidade. Caso isso não ocorra, a pessoa experimenta uma dissociação da personalidade, na qual características opostas e contraditórias emergem produzindo uma tensão interna que pode se intensificar gerando um conflito interior que nos casos mais graves conduzem a pessoa a crises, nas quais ela experimenta um grande sofrimento psíquico.
Por fim, no âmbito existencial, que é o âmbito propriamente filosófico da questão da unidade e diversidade do ser, coloca-se a questão do sentido da existência. Na medida em que cada um experimenta uma singularidade na elaboração do sentido existencial, de tal modo que só o próprio ser pode dar sentido a sua existência, há uma diversidade de sentidos existenciais correspondente aos diversos modos como cada um elabora seu projeto existencial (ou projeto de vida). Porém, como cada um compartilha seu mundo com outros seres, o projeto existencial precisa integrar esses outros no seu processo de realização alcançando o sentido da unidade existencial que inclui os outros no seu sentido existencial.

A QUESTÃO DA PERMANÊNCIA E DA MUDANÇA DO SER

Podemos agora iniciar a discussão sobre o tema da Permanência e da Mudança do Ser, a partir das perspectivas de dois pensadores gregos da antiguidade: Heráclito, já abordado anteriormente, e Parmênides, cujo pensamento se opõe ao de Heráclito quanto a esse assunto.
Entre os pensadores do primeiro período da história da filosofia, convencionalmente chamado de pré-socrático, Heráclito é aquele de quem nos restou a maior quantidade de fragmentos de seus escritos, que de modo geral se apresentam numa linguagem poética, repleta de metáforas cujo simbolismo gerou desde então uma certa dificuldade na interpretação de sua perspectiva, marcada pela busca de compreender a realidade em sua natureza (physis, em grego).
Um de seus fragmentos mais importantes para a compreensão de seu pensamento expressa sua perspectiva do ser em constante mudança dizendo:

“Tudo flui. Não se entra duas vezes no mesmo rio.”

Através dele, podemos compreender a comparação que Heráclito faz entre a realidade do ser e as águas de um rio. A realidade é pensada como um fluxo de acontecimentos assim como um rio, considerado como o fluxo das águas em seu leito. Desse modo, o ser é compreendido como um vir-a-ser ou tornar-se, isto é, o ser é aquilo que vem a ser, aquilo que se torna, a cada momento algo novo, em contínua transformação.
Por outro lado, Parmênides, de quem nos restou o mais longo texto, entre os assim chamados pré-socráticos, opôs-se a Heráclito, considerando que essa realidade que ele dizia estar em permanente mutação era apenas a realidade aparente, perceptível através dos sentidos, passível de engano, iniciando com isso a distinção entre realidade e aparência, na medida em que compreendia o ser como o que é e permanece sendo essencialmente o mesmo, portanto imutável em sua essência. Dizia ele:

“O ser é. O não-ser não é”

Com isso, Parmênides estabelece o que ficou conhecido posteriormente como o princípio lógico da identidade, segundo o qual o ser permanece idêntico a si mesmo, o que permite pensar a identidade do ser, que em sua essência permaneceria imutável. Assim, o que muda na realidade aparente perceptível pelos sentidos, ou seja, o que vem a ser, para ele, já não é mais o que era, portanto o vir-a-ser é um não-ser.
Essa interpretação abstrata do ser que considera equivalente ser e pensar inaugura o que ficou conhecido desde a antiguidade como pensamento metafísico, no sentido de compreender o ser como uma realidade para além da realidade física perceptível pelos sentidos, como diz o significado da palavra metafísica em grego, na medida em que o radical grego meta é traduzido como além.
A perspectiva metafísica de Parmênides teve grande influência sobre o pensamento dos filósofos clássicos da Grécia antiga Sócrates, Platão e Aristóteles. Abordaremos então as concepções destes que refletem a influência da concepção do ser de Parmênides sobre o pensamento deles.
Sócrates, personagem de grande importância na história da Grécia antiga, surge nas ruas e praças de Atenas dialogando com os gregos, de modo diferente de seus contemporâneos conhecidos como sofistas, os quais eram considerados por ele como pensadores hábeis no uso da linguagem para fins de persuasão, habilidade que ficou conhecida como retórica.
Sócrates buscava se diferenciar dos sofistas através de uma atitude que ficou conhecida como a ironia socrática, através da qual ele questionava seus interlocutores sobre aquilo que eles consideravam saber, procurando levá-los a uma postura de humildade que tornasse possível partirem em busca do conhecimento da verdade sobre as coisas sem a presunção de já possuírem um saber completo e definitivo sobre as mesmas.
Sócrates dizia ter recebido de Apolo, o deus-sol grego (responsável pela clareza tanto externa, no sentido da luminosidade, quanto interna, no sentido do entendimento) a missão de promover a busca pelo auto-conhecimento, de acordo com a inscrição na fachada do templo de Apolo em Delfos que dizia: “conhece-te a ti mesmo”.
Assim, Sócrates buscava levar seus contemporâneos a procurarem conhecer o que realmente podiam saber sobre as coisas, através de um procedimento que ele chamou - em homenagem a sua mãe, que era uma parteira chamada Maia - de Maiêutica.
A Maiêutica socrática era o procedimento através do qual Sócrates conduzia seus interlocutores a parirem seu real conhecimento sobre os assuntos considerados, por meio da busca da verdade (em grego, alethéia, que significa desencobrimento) universal, eterna e imutável sobre cada coisa, considerada como o que essa coisa é em si mesma, ou seja, de modo geral e abstrato, portanto, o que essa coisa é em sua essência, correspondendo assim ao sentido do ser na perspectiva de Parmênides.
Platão, por sua vez, é quem inicia o modo discursivo na escrita de textos filosóficos em forma de diálogos cujo personagem principal é Sócrates, tornando-se a principal fonte de conhecimento do pensamento socrático e o primeiro a desenvolver uma apresentação lógico-conceitual da filosofia. Sendo discípulo de Sócrates, seu pensamento muitas vezes confunde-se com o de seu mestre, tornando difícil a tarefa de distinguir o que é próprio de cada um, pois Platão muitas vezes parece atribuir a seu mestre suas próprias concepções.
O principal conceito platônico é a idéia, ou forma ideal (em grego, eidos), que é o modelo (em grego, paradigma) perfeito e imutável de cada coisa, de tal modo que as coisas percebidas pelos sentidos são consideradas por ele como reproduções, cópias ou imitações de suas formas ideais. A percepção das coisas existentes serviria apenas para que a alma do homem, que Platão considerava imortal, pudesse recordar a idéia de cada coisa que já possuía antes de nascer, quando participava do mundo das idéias. Segundo essa teoria platônica do conhecimento, conhecida como teoria da reminiscência, a percepção sensível de cada coisa só tinha valor na medida em que conduzisse o ser ao conhecimento (em grego, episteme) da idéia perfeita e imutável dessa coisa, ou seja, ao que essa coisa é em sua essência, correspondendo assim à concepção do ser de Parmênides.
Já Aristóteles, que foi discípulo de Platão, se opôs a seu mestre, considerando que este havia exagerado na desvalorização da percepção sensível, e conseqüente separação entre o mundo das idéias e o mundo sensível. Ele propõe então que se considere um único mundo no qual cada coisa teria dois aspectos distintos, um que ele chamou de substância (em grego, ousia) e que seria aquilo que faz com que uma coisa seja o que ela é, e outro que ele chamou de acidente, na medida em que é um aspecto acidental, que pode ocorrer de estar presente ou não nessa coisa, algo que varia entre os diversos individuos da mesma espécie, e portanto, um aspecto secundário em relação à substância, que corresponde à essência imutável dessa coisa, e desse modo reflete a influência da concepção do ser de Parmênides.
Bem outro foi o destino das concepções de Heráclito, cujo pensamento foi tido por enigmático durante muitos séculos, particularmente na Grécia antiga, onde ele ficou conhecido como “Heráclito, o obscuro”, pela dificuldade encontrada pelos gregos antigos na interpretação de suas perspectivas expressas em linguagem poética.
No entanto, a partir do século XIX, a filosofia moderna retoma a concepção do vir-a-ser de Heráclito com a formulação da dialética pelo filósofo alemão Hegel, cujo pensamento desenvolve uma interpretação idealista da realidade histórica. Ele elabora uma compreensão das transformações históricas das idéias interpretando o vir-a-ser do espírito-do-tempo (em alemão, zeitgeist), como a transformação histórica da visão-de-mundo de uma época.
Segundo a dialética idealista de Hegel, a história humana é interpretada como uma sucessão de épocas históricas, cada uma delas caracterizada pela visão-de-mundo predominante naquele período, de tal modo que cada época é sucedida por uma outra que se contrapõe à anterior, gerando uma contradição entre as visões-de-mundo associadas às sucessivas fases da história. Isso ocorreria, segundo Hegel, pela tendência inerente ao espírito humano em cada época histórica de buscar a superação (em alemão, aufheben) do espírito-do-tempo característico desse período.
A partir do esquema da lógica dialética criada por Hegel, no qual cada época histórica pode ser associada a uma tese que expressa a visão-de-mundo predominante nesse período, considera-se que a essa tese se opõe à antítese que se desenvolve em seguida, quando uma nova visão-de-mundo supera a anterior. A essa antítese se contrapõe a nova visão-de-mundo que surge como síntese, buscando conciliar a oposição entre a tese e a antítese, desenvolvendo então uma terceira posição que se diferencia de ambas.
Hegel foi o mestre de Marx, que assimilou dele seu pensamento dialético, dando-lhe, no entanto, uma interpretação materialista, através da qual compreendia a realidade histórica a partir do modo como são produzidas as condições materiais da existência. Isso significa que enquanto Hegel interpretava a realidade a partir das idéias, Marx o fazia a partir do modo de produção dos bens materiais necessários à existência da sociedade. O materialismo dialético de Marx compreendia assim a oposição entre as épocas históricas como expressão de uma luta entre as classes dominantes e dominadas, que determinaria o sentido da mudança social em seu vir-a-ser dialético.

EXISTÊNCIA E ESSÊNCIA

Desde a antiguidade, o pensamento filosófico discute a questão ontológica relativa à essência do ser. Quando Heráclito interpretou a existência enquanto um vir-a-ser, provocou nos pensadores eleatas, particularmente em Parmênides, uma reação que os levou a conceber o ser como algo essencialmente imutável.
Essa concepção do ser como essência imutável influenciou a filosofia clássica grega nas concepções de Sócrates, do ser verdadeiro; de Platão, da idéia enquanto modelo perfeito do ser; de Aristóteles, da substância, como conceito universal abstrato do ser.
Após o longo período medieval em que predominou um pensamento religioso cristão, que incorporou a perspectiva platônica através do pensamento de Agostinho, e a perspectiva aristotélica através do pensamento de Tomás de Aquino, a interpretação da existência humana é renovada, com o Renascimento, no sentido de ser considerada a partir da nova busca de conhecimento, caracterizada pela emergência do interesse pela formulação do método adequado à produção do conhecimento científico, o que ganhou maior evidência a partir das descobertas de Galileu.
Com esse desejo de formular um método seguro para o conhecimento científico, Descartes, após ter estudado amplamente o conhecimento disponível, inicia uma série de meditações nas quais desenvolve um percurso de questionamentos relativos à validade das informações obtidas. Após pôr em dúvida a validade das informações disponíveis pela fragilidade de seus métodos de produção de conhecimento, ele põe em dúvida a validade do conhecimento obtido através de suas próprias percepções sensíveis, à medida em que os sentidos poderiam enganá-lo, gerando percepções ilusórias dos fenômenos. Em seguida, Descartes chega a pôr em dúvida até mesmo sua própria existência, mas assim compreende que mesmo que duvide de tudo, ao duvidar ainda está pensando, e se está pensando, ele pode concluir, com certeza, que ele existe como ser pensante, ou, nos termos em latim que usou, como res cogitans, isto é, uma coisa pensante ou substância pensante. E se ele pode ter certeza de sua existência enquanto ser pensante, ele pode então concluir que possui extensão física pois ocupa lugar no espaço. Isso caracteriza a compreensão do ser por Descartes como um dualismo psicofísico, na medida em que é um ser pensante e um ser extenso, ou seja, mente e corpo.
Descartes desenvolve assim sua interpretação racionalista da existência, na qual supõe a existência de idéias inatas, que dão à razão o papel mais essencial na produção do conhecimento. A essa posição racionalista, opuseram-se os filósofos ingleses da corrente empirista, particularmente Francis Bacon, John Locke e David Hume, que defendiam o uso do raciocínio indutivo, que produz generalizações a partir da observação de uma certa quantidade de casos particulares de fenômenos percebidos na experiência. Isso levava os pensadores empiristas a privilegiarem o papel da sensibilidade na produção do conhecimento, que se daria a partir das impressões produzidas pelos objetos percebidos na experiência.
Diante da oposição entre racionalistas (Descartes, Leibnitz) e empiristas (Bacon, Locke, Hume), surge o pensamento de Kant buscando realizar uma síntese entre estas perspectivas que ele compreendia como os procedimentos associados a duas faculdades humanas que cooperam para a produção do conhecimento, a saber: a sensibilidade e o entendimento.
Kant considerava que o conhecimento seria produzido a partir da percepção sensível dos objetos, que produzem sensações, as quais são reunidas, formando as intuições. O entendimento seria responsável por selecionar os aspectos percebidos no objeto que constituirão o conceito desse objeto. Ele considera de modo especial os conceitos que dão forma à percepção dos fenômenos e que são produzidos a priori pelo entendimento, que são os de espaço e tempo. Desse modo, o ser é compreendido por Kant como um sujeito racional dotado da faculdade do entendimento capaz de produzir a priori os conceitos que condicionam a percepção sensível, particularmente o espaço e o tempo. E esse sujeito que conhece os fenômenos pode também ser considerado enquanto sujeito de ações, cuja vontade determina a priori sua conduta de forma racional.
Essa perspectiva kantiana ficou conhecida como Idealismo Transcendental por considerar a realidade a partir do ponto-de-vista de uma racionalidade apriorística exercida pelo entendimento e pela vontade.
Pouco depois, surgiu um outro filósofo idealista, Hegel, que buscava compreender a realidade a partir da visão-de-mundo predominante em cada período histórico, considerando as transformações históricas das sociedades como sendo marcadas por uma tendência à superação por meio da oposição. Essa lógica de contradição ele chamou de dialética e nela o ser é compreendido em seu vir-a-ser histórico dialético, em contínua transformação de sua ideia, tornando-se sucessivamente o oposto do que era.
Em seguida, um aluno de Hegel, Marx, desenvolve uma interpretação dialética da existência, invertendo a perspectiva idealista de seu mestre e desenvolvendo uma abordagem materialista na qual o ser é compreendido em seu vir-a-ser histórico dialético a partir do modo como produz as condições materiais de sua existência.
Na mesma época, outro pensador alemão, Nietzsche, desenvolve uma crítica radical das interpretações metafísicas da existência a partir de um exame genealógico da história do surgimento e desenvolvimento das formas de valoração moral das condutas e modos de pensamento, por meio do qual ele elaborou uma interpretação da existência em seu vir-a-ser, na qual o ser vivo é compreendido através do conceito de vontade de potência. Esta é a resultante da dinâmica dos impulsos do corpo, na medida em que um destes impulsos torna-se mais forte e passa a conduzir o ser no sentido de buscar aumentar sua potência vital. Assim, ele pensa o sentido da existência humana como sendo o da contínua auto-superação segundo a efetivação de sua vontade de potência.
O filósofo que fez da Ontologia o tema permanente de seu pensamento foi Heidegger. A partir da influência de seu mestre Husserl, criador da Fenomenologia, Heidegger elabora uma interpretação da existência humana como um ser-no-mundo compreendido a partir de seu projeto existencial formulado de modo singular através de uma experiência de apropriação de si mesmo, desencadeada pela angústia vivida diante da abertura de possibilidades existenciais.
A filosofia existencial de Heidegger influenciou dois pensadores franceses que elaboraram a perspectiva do existencialismo: Sartre e Merleau-Ponty. Sartre considera que, ao elaborar seu projeto existencial, o ser-no-mundo faz escolhas por meio das quais ele se torna sujeito de sua história. Segundo Sartre, o ser humano é livre para escolher e responsável pelas escolhas que faz, particularmente quanto às conseqüências políticas de suas escolhas, em relação às quais ele experimenta um engajamento, enquanto participação ativa na vida política de sua nação.
Merleau-Ponty acrescenta às perspectivas elaboradas por Sartre e Heidegger uma reflexão sobre a vivência do ser-no-mundo no processo de superação dos limites de sua condição existencial, o que faz dele um ser transcendente em relação a si mesmo.