quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A ESTÉTICA DE DELEUZE E GUATTARI

VIDA:
• Acontecimento da multiplicidade da produção de fluxos de intensidades
• Potências: heterogênese, produção de diferenças de sentido
• Desejo: processo subjetivo, espontâneo, inconsciente, de diferenciação intensiva
• Subjetividade: nômade, minoritária, rizomática, segue a linha de fuga e desterritorializa-se, tornando-se corpo sem órgãos, por meio de agenciamentos singularizantes

ARTE:
• Ser de sensação
– Bloco de sensações
– Composto de perceptos e afetos
• Matéria que se torna expressiva
• Liberar a vida contida na matéria
• Desfaz a organização das afecções, das percepções e opiniões
• Fabulação (Bergson), Atletismo afetivo (Artaud), Alegoria
• Conjuga elementos vivos: a Casa e o Universo, a territorialização e a desterritorialização

ARTISTA:
• Excede os estados perceptivos e as passagens afetivas do vivido, vidente
• Viu na vida algo demasiadamente grande
• Cria afetos e compõe perceptos do momento
• Singularmente distinto, e indistinto na identidade

OBRA:
• Auto-posição do criado: independência do modelo, autônomo, suficiente
• A duração do material dá eternidade à sensação do momento
• Compostos de sensações: a vibração, o enlace, a abertura
• Percepto é paisagem não humana da natureza, enlace de forças
• Afeto é devir não humano do homem, devir animal, vegetal, mineral

CRIAÇÃO:
• Imanência do plano de composição das sensações ao plano mateiral
• Potência do fundo: gerar zonas de indiscernibilidade
• Qualidades sensíveis puras emergem como traços de expressão

ESTÉTICA:
• Potência de pensamento que excede o regime normal, para além das regras de produção, da arte, considerando sua heterogênese
• Tarefa:
– dar coerência à obra moderna, enquanto alegoria da travessia rumo ao sensível puro
– Levar o artista a ultrapassar a possibilidade de representação, indo ao limite de suas possibilidades criadoras

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A NOÇÃO DE HARMONIA NO PENSAMENTO TRÁGICO DE HERÁCLITO

A noção de harmonia tornou-se, ao longo dos tempos, uma das mais importantes noções estéticas na história das artes. Interpretada de diferentes modos, ela conduziu muitos artistas em seu processo criativo no intuito de comporem harmonicamente suas obras, seja na poesia, na música, na dança, nas artes plásticas ou em outras linguagens.
Essa noção foi pensada de modo originário por um dos pensadores gregos mais emblemáticos daquilo que Nietzsche chamou “a época trágica dos gregos”, a saber, Heráclito, sábio que viveu por volta do século V a.C. e foi denominado de “obscuro” pelos seus contemporâneos, assim se mantendo pela posteridade até o século XIX, quando Hegel e Nietzsche retomam seu pensamento para formular algumas das concepções mais influentes que repercutem em nossa contemporaneidade.
Heráclito pensou a harmonia num sentido que ainda nos parece inusitado, na medida em que concebeu esta como uma divergência concordante, ou uma concordância dos divergentes, uma “harmonia de tensões opostas, como do arco e da lira” (frag. 51). Essa que nasce do enfrentamento entre os opostos seria para ele “a mais bela harmonia”. A metáfora do arco e da lira torna-se uma imagem sugestiva quando consideramos o modo como a sonoridade desse instrumento musical é produzida em sua forma atual pela fricção entre as cordas da lira e a corda do arco, todas retesadas.
Essa imagem corresponde à harmonia visível, que os artistas procuram mostrar em suas obras. No entanto, Heráclito considera ainda uma harmonia invisível, que para ele seria superior à visível (frag. 54), pois a harmonia seria imanente à condição de oposição entre tensões que se encontra em devir, ou seja, o que vem a ser harmônico é a dinâmica das polaridades que se opõem.
Portanto, a compreensão da harmonia elaborada a partir da interpretação do pensamento de Heráclito é a que se configura por meio do pensamento intuitivo que ele chama de logos, referindo-se a uma apreensão em conjunto da realidade efetiva que capta seu sentido imanente em contínua mutação, isto é, como algo vem a ser o que é em determinada conjuntura.
Esse vir-a-ser é para ele uma espécie de jogo entre forças, que em sua relação dinâmica de enfrentamento produz a harmonia pela regulação mútua que este jogo propicia. Esta é uma compreensão lúdica do modo como a existência torna-se o que é e cuja metáfora dada por Heráclito é a de “um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida”(frag. 30).
Isso significa que a compreensão da harmonia por meio desse logos se dá de modo paradoxal, como uma divergência concordante, uma harmonia que surge do conflito ainda que não se mostre nele imediatamente.
Assim, a harmonia, como a compreendemos a partir de Heráclito, é uma qualidade sutil, dinâmica, paradoxal, que muitos artistas tentam intuitivamente tornar aparente em suas criações, mas que permanecerá sempre velada em sua plenitude, ainda que possa alcançar possibilidades estéticas extraordinárias.
Nietzsche interpretou o pensamento de Heráclito por essa via e elaborou uma compreensão do caráter trágico da cultura grega, que alcançou seu apogeu nessa época em que surgiram os chamados “pensadores originários”.
A tragicidade da visão de mundo heraclitiana foi considerada por Nietzsche do modo como ele expõe em sua obra A filosofia na idade trágica dos gregos, onde ele diz:
“O devir único e eterno, a inconsistência total de todo o real, que somente age e flui incessantemente, sem alguma vez ser, é, como Heráclito ensina, uma idéia terrível e atordoadora, muitíssimo afim, na sua influência, ao sentimento de quem, num tremor de terra, perde a confiança que tem na terra firme. Foi preciso uma energia surpreendente para transformar este feito no seu contrário, em sublimidade e no assombro bem-aventurado. Heráclito chegou a esse ponto graças a uma observação do verdadeiro curso do devir e da destruição, que ele concebeu sob a forma da polaridade, como a disjunção da mesma força em duas atividades qualitativamente diferentes, opostas, e que tendem de novo a unir-se.” (pag. 42)
Essa intuição que Nietzsche atribui a Heráclito como “uma idéia terrível e atordoadora” que ele teria convertido numa espécie de “bem-aventurado assombro” é apresentada por Nietzsche como uma compreensão da harmonia do seguinte modo:
“Será que este mundo está cheio de culpa, de injustiça, de contradições e de sofrimento?
Sim, grita Heráclito, mas só para o homem limitado que vê as coisas separadas umas das outras e não no seu conjunto, não para o seu contuitivo; para este, todos os contrários confluem numa harmonia, invisível, é verdade, ao olhar humano comum, mas inteligível para quem, como Heráclito, se assemelha ao deus contemplativo. (...) Nesse mundo, só o jogo do artista e da criança tem um vir à existência e um perecer, um construir e um destruir sem qualquer imputação moral em inocência eternamente igual. E, assim como brincam o artista e a criança, assim brinca também o fogo eternamente ativo, constrói e destrói com inocência. (pag. 49)
(...)
Ao mundo só assim o contempla o homem estético, que divisou no artista e na gênese da obra de arte como o conflito da multiplicidade que pode, no entanto, ter em si uma lei e um direito, como o artista se coloca meditativamente acima da sua obra e nela está quando trabalha, como a necessidade e o jogo, o conflito e a harmonia se conjugam constantemente para gerar a obra de arte.” (pag. 50)
Em uma passagem do livro Ecce homo na qual Nietzsche comenta sobre a “sabedoria trágica” contida em sua obra O nascimento da tragédia e refere-se a Heráclito como aquele que melhor desenvolveu essa perspectiva entre os gregos, ele expressa essa afinidade dizendo:
“(...) Heráclito, em cuja vizinhança sinto-me mais cálido e bem-disposto do que em qualquer outro lugar. A afirmação do fluir e do destruir, o decisivo numa filosofia dionisíaca, o dizer sim à oposição e à guerra, o vir a ser, com radical rejeição até mesmo da noção de ‘ser’, nisto devo reconhecer, em toda circunstância, o que me é mais aparentado entre o que até agora foi pensado.”(pag. 64)
O pensamento de Nietzsche chega assim a essa compreensão final em sua autobiografia tendo partido da concepção expressa em sua primeira obra, na qual ele pensa o surgimento da arte trágica entre os gregos como resultado da conjunção harmônica dos dois impulsos artísticos opostos que ele chamou de dionisíaco e apolíneo, o que reflete bem a influência da concepção de harmonia do pensamento trágico de Heráclito.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

As metamorfoses do espírito segundo Nietzsche

Em Assim falou Zaratustra, Nietzsche descreve três metamorfoses ou transformações do espírito. O espírito vive a auto-superação através das seguintes metamorfoses: Inicialmente, torna-se camelo. Em seguida, torna-se Leão e posteriormente criança.

O camelo, espírito heróico de suportação de toda a carga existencial herdada das tradições culturais da humanidade, supera a si mesmo e torna-se leão. O leão, espírito libertário que se rebela contra a opressão dos deveres impostos através de uma heteronomia, torna-se criança, espírito criador. O camelo é capaz de suportar o fardo de pesadas tarefas assumidas na busca do conhecimento e todo sofrimento que advém no caminho da realização, mas chega um momento em que ele se liberta. O heróico camelo simboliza um espírito realista que quer ser capaz de ver o que a realidade se torna a cada momento. Seu valor é determinado do modo como Nietzsche expressou em Ecce Homo, quando diz: “Quanta verdade suporta, quanta verdade ousa um espírito? Cada vez mais tornou-se isto para mim a verdadeira medida de valor”.

O Leão simboliza um espírito ativista revolucionário que o camelo se torna quando não aceita mais submeter-se passivamente à realidade como ela se mostra, e se rebela: quer conhecer a realidade – com a fome de um leão - para transformá-la. O libertário livra-se dos deveres heterônomos e cria para si a liberdade de novas criações

De repente, num momento oportuno - seu kairós, um instante singular – quando o libertário, que era um espírito rebelde - e portanto reativo – supera sua reatividade, torna-se puramente afirmativo, espontâneo, o leão torna-se criança, o espírito lúdico inocente que começa a jogar com a vida o jogo da criação: como criança, sente-se corpo e alma, e quer viver ludicamente a existência.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

INTRODUÇÃO A NIETZSCHE

oPerspectivismo: ponto-de-vista
•Interpretação: caráter ficcional da verdade
•Intuição: força plasmadora, doadora, de sentidos
•Simbolização: metáforas como origem dos conceitos
•Genealogia: avaliação da potência vital de um modo de existência a partir de
sua proveniência histórica
oVontade de Potência: vontade de poder
•Vida como valor supremo: critério de avaliação
•Corpo como grande razão
-Ser próprio: Si mesmo
-Fisiologia: Dinâmica dos impulsos e instintos
-Pensamento racional como pequena razão, vontade de verdade
•Vontade criadora
oSuperação do humano
•Auto-superação: além-do-homem, super-homem
•Espírito livre: Solidão existencial
•Crítica da domesticação do homem como animal de rebanho pelo impulso gregário
oUltrapassagem do niilismo
•Ativo, reativo e passivo
•Crise e crítica
oTransvaloração dos valores
•Para além de bem e mal
-Experimentação: jogo da criação
-Criança: inocência
-Riso: irreverência, ironia e sarcasmo
•Redenção do sofrimento e divinização do prazer
oTrágico
•Afirmação da vida
-Amor fati: aceitação não resignada, ativa, amar a realidade
-Altivez: coragem que vence o medo de sofrer
-Plenitude: exercer o máximo de sua potência
-Abundância: inesgotabilidade da vida
-Grande saúde: mutável, múltipla, conquistada cada vez
•Vida como obra de arte: ser poeta da própria vida
-Dança: leveza do pesado, linguagem do devir
-Grande estilo: dar unidade à cultura
•Singularidade da autocriação
-Tornar-se o que se é
•Eterno retorno: vontade de que tudo retorne
-Questionamento ético: aceitação do caráter caótico e casual do devir
-Pensamento abismal de Zaratustra: prazer é mais profundo que a dor
•Imanência (terra): finitude existencial, reversão da metafísica
•Sabedoria dionisíaca: selvagem sabedoria

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

INTRODUÇÃO À TEORIA DO CONHECIMENTO
(esquema de 10 tópicos para estudo)

1.O CONHECIMENTO EM DESCARTES

•Racionalismo: razão absoluta, universal, verdadeira
•Método: garantia de verdade, certeza fundamentada, unificar os conhecimentos racionalmente
•Intuição: fácil e distinta, é a concepção de um espírito puro e atento que busca o indubitável
•Dúvida metódica: duvidar sistematicamente de tudo que se considera conhecido, inclusive, da própria percepção dos sentidos
•Cogito:
- Se duvido, penso
- Se penso, existo como ser pensante (penso, logo existo)
•Idéias claras e distintas: gerais, inatas, racionais
- Exemplos:
a)Infinitude e perfeição divinas
b)Extensão e movimentos físicos
•Dualismo psicofísico:
- Âmbito físico: substância extensa (res extensa, em latim)
matéria, corpo, sentidos, sensações
- Âmbito metafísico: substância pensante (res cogitans, em latim)
alma, espírito, mente, consciência, sujeito, inteligência, pensamento
•Garantia divina: pensar em Deus como ser perfeito garante sua existência e a realidade das idéias claras e distintas

2.O CONHECIMENTO EM BACON

•Empirismo: a experiência como fonte do saber
•Reforma completa do conhecimento
•Crítica à esterilidade da escolástica aristotélica
•Novo método – ciência: observação dos fatos e generalização de leis causais por indução
•Caráter prático do conhecimento: domínio do homem sobre a natureza, saber é poder
•Crítica dos preconceitos (ídolos): generalizações indevidas, tradicionalismo, vulgarização, autoritarismo

3.O CONHECIMENTO EM LOCKE

•Psicologismo gnosiológico: crítica do inatismo
•Toda idéia provém da experiência por aprendizagem e hábito, todo conhecimento é apreendido da experiência
•A mente é uma “tábula rasa” (tábua sem inscrições, como um papel em branco) desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer idéias inatas
•Fontes de conhecimento (das idéias):
•Sensação (experiência externa): modificação na mente por meio dos sentidos
•Reflexão (experiência interna): percepção que a alma tem de si mesma, baseada nas sensações
•Níveis de abstração:
- Idéias simples: recebidas passivamente, elementares (não-analisáveis), provenientes da sensação ou da reflexão
- Idéias complexas: idéias derivadas de idéias simples da sensação ou da reflexão, criadas mediante combinações de outras idéias
•Qualidades das idéias simples de natureza sensorial:
- Primárias (objetivas): existem no objeto, mesmo que não sejam percebidas (solidez, extensão, configuração, movimento, repouso, número)
- Secundárias(subjetivas): existem na percepção que temos do objeto (cor, som, odor, sabor)

4.O CONHECIMENTO EM HUME

•Ceticismo: Associacionismo anti-metafísico (desubstancialização da mente)
•A mente é uma qualidade secundária, fluxo de impressões e idéias, só observável através da percepção
•As impressões são o elemento básico da vida mental, fortes e vívidas
•Uma idéia é a experiência mental que temos na ausência de qualquer objeto estimulante, cópia fraca de uma ou mais impressões, representações da memória ou da imaginação
•Princípio universal do funcionamento da mente: as idéias complexas combinam-se a partir de idéias simples por associação, devido ao hábito mental que gera a crença na vinculação entre elas, hábito que surge da necessidade espiritual de ordenar a realidade
•Tipos de associação de idéias:
- Por contiguidade no tempo
- Por contiguidade no espaço
- Por semelhança ou contraste
- Por causalidade

5.O CONHECIMENTO EM KANT

•Criticismo: crítica da razão pura
- Crise da teoria do conhecimento: superar a dualidade dogmatismo x ceticismo
- Tribunal da razão: autojulgamento
- Idealismo transcendental: conhecimento a priori
- Revolução copernicana: das coisas ao conhecimento
•Conhecimento Transcendental:
- Independente da experiência sensível
- Simultâneo a qualquer uma
- Contido a priori puramente no sujeito da representação racional
- Distinto do conhecimento a posteriori
- Sujeito: condição de possibilidade da experiência
- Lógica: condição de possibilidade dos juízos
•Natureza: campo da experiência possível e seus objetos
•Faculdades:
- Razão: capacidade de conceber conceitos e idéias, a priori, ligando representações e sintetizar as categorias do entendimento
- Sensibilidade: capacidade de representar afecções dos objetos da intuição
•Entendimento: Juízos
- Analíticos: decompõe o que já havia
- Sintéticos: compõe o conhecimento por generalização
- Sintéticos a priori: universalmente necessários que ampliam o conhecimento
- Funções dos juízos:
- Quantidade
Universais
Particulares
Singulares
- Qualidade
Afirmativos
Negativos
Infinitos
•Categorias do entendimento: Substância, Causa, Necessidade, Realidade
•Sensibilidade:
- Objeto: representação determinada
- Fenômeno: representação indeterminada
- Intuição:
Empírica: gerada pela sensação que o objeto produz, cujo conteúdo é a matéria
Pura: forma condicionante do fenômeno
•Númeno: coisa-em-si, essência que não pode ser conhecida

6.O CONHECIMENTO EM COMTE

•Positivismo: positividade do conhecimento científico
•Desenvolvimento da inteligência humana: Lei dos três estados
- Teológico: causa sobrenatural, explicação mítica
- Metafísico: noções absolutas, explicações que recorrem a essências representadas por forças abstratas
- Positivo: relações invariáveis dos fatos obtidas pela observação e racionalização
•Positividade: real, certo, preciso, descritivo, determinista, ordenado, organizado.
•Necessidade causal: mesma causa→ mesmo efeito, oposto de contingente, casual
•Filosofia: sistematização das ciências, generalização dos resultados, sínteses objetivas
•Matemática: instrumento
•Ciência: saber acabado, compartimentado, que assegura desenvolvimento social e industrial
•Hierarquias:
- parte→ todo
- inferior→superior
- processo→resultado
- concreto→abstrato
•História: seqüência de estados definitivos
•Classificação das ciências:
- Orgânicas: biologia, sociologia
- Inorgânicas: física, química, astronomia
•Sociologia: ciência dominante, mais complexa e concreta
- Ordem através do progresso permanente
- Sociedade: organismo coletivo que controla os indivíduos
- Física social de inspiração biológica

7.O CONHECIMENTO EM HEGEL
•Dialética idealista:
- historicidade da razão
- Dinâmica contraditória do real
- Caráter perecível; tendência à superação
- Tese, antítese, síntese
•Vir-a-ser: processo, movimento, transformação
•Mundo: manifestação da idéia na realidade
•Idéia (tese), Natureza (alienação da idéia), Espírito (consciência de si)
•Fenomenologia do Espírito: Espírito subjetivo, Espírito objetivo, Espírito absoluto
•Verdade: resultado do desenvolvimento do Espírito
•Conhecimento:
- Abstrato: aparência (realidade dada)
- Concreto: real (descrição da gênese)
•Filosofia: crítica totalizante a posteriori, tardia, coruja de Minerva

8.O CONHECIMENTO EM MARX

•Materialismo Histórico Dialético:
- Filosofia: dialética materialista – as condições de produção da vida social se sucedem através de superações de fases pelas contradições entre forças históricas que impulsionam a dinâmica das relações sociais.
a)O movimento é inerente à matéria e assume a configuração dialética da seqüência tese, antítese e síntese
b)A matéria é de onde provém a consciência como reflexo
c)O espírito reage a suas determinações materiais
d)A ideologia é o conjunto de valores culturais cuja finalidade é iludir mascarando conflitos sociais de modo alienante para garantir a dominação de classe, perpetuando valores como verdades universais
- Ciência: materialismo histórico – conhecimento crítico objetivo da história do desenvolvimento das relações de produção em cada sociedade.
a)Análise do progresso técnico do poder humano sobre a natureza e revisão crítica das teorias da economia política
b)Objetividade do ponto de vista da classe oprimida
c)Crítica da realidade em sua dinâmica complexa de conflitos de interesses entre classes sociais, buscando desvendar os processos reais e históricos dos quais se originou a dominação de classe.
d)Conhecimento engajado numa práxis revolucionária de conscientização da classe proletária quanto às condições da exploração econômica a que ela está submetida e quanto às possibilidades de luta pela conquista da autonomia através da socialização dos meios de produção
e)Distinção entre infra-estrutura e super-estrutura
- Infra-estrutura: modo de produção econômica caracterizado pela forma de organização das relações de produção
a)modo de produção antigo
b)modo de produção feudal
c)modo de produção capitalista: divisão da sociedade em classes – proprietários e empregados, transformação da força de trabalho do operário em mercadoria vendida pelo salário, exploração da mão-de-obra produtiva através da mais-valia que aliena o trabalhador de sua produção
- Super-estrutura: conjunto de representações culturais características de uma sociedade que é derivado do modo de produção econômico e que expressa a ideologia da classe dominante.

9.O CONHECIMENTO EM HUSSERL

•Fenomenologia: análise de como se forma para nós o campo da experiência
- Propensão à objetividade, retorno às coisas
- Quantidade: ato psíquico de coligar elementos
- Intencionalidade da consciência para o fenômeno
Cognitiva
Afetiva
Prática
- Desvelamento através de perspectivas variadas
Descrição perspectivista da vivência, mundo da vida
- Superação da dicotomia sujeito-objeto
- Hermenêutica: doação de sentido e significado
•Sentido: rede de significações dos atos da consciência
•Sinal: parte do mundo físico do ser
•Símbolo: parte do mundo humano do sentido
- Não há fatos objetivos
- Epoché: suspensão de juízo, pôr entre parênteses
- Redução eidética: limitar-se às evidências imanentes
- Intuição:
Noema: de essências
Noesis: da consciência
- Regiões eidéticas: ontologias regionais
- Estrutura sintética da consciência

10.O CONHECIMENTO EM FOUCAULT
Fase Arqueológica:
- História da Loucura: descreve as condições de possibilidade de surgimento de um saber sobre a loucura, a partir das relações com os que eram considerados loucos, nos lugares de reclusão. Revela configurações heterogêneas de formações discursivas, geradas para controlá-los.
- Nascimento da Clínica: dicute o desenvolvimento da medicina clássica em relação com a história natural e o surgimento da medicina moderna em relação com a biologia, a passagem do estudo da doença como abstração ao doente como indivíduo, a passagem de uma medicina domiciliar, individual, estruturada em torno da crise para uma medicina hospitalar, a passagem do hospital como lugar de confinamento dos inúteis e excluídos para a medicalização do hospital através da disciplinarização.
- As Palavras e as Coisas: discute as condições de possibilidade de surgimento das ciências humanas na passagem da episteme clássica, desenvolvida na época do Renascimento e baseada na noção de semelhança, para a episteme moderna, desenvolvida na época do Iluminismo e baseada na noção de representação.
- A Arqueologia do Saber: discute o modo de produzir os discursos históricos a partir de suas descontinuidades e interrelações conceituais em articulação com as práticas discursivas.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Introdução à Ontologia

Iniciamos aqui um percurso pela filosofia no qual partimos de uma elaboração da compreensão de aspectos básicos da existência que nos ajuda a pensar a questão do sentido do ser. Abordaremos essa questão a partir de alguns tópicos importantes referentes à história da filosofia desde a antiguidade.

A QUESTÃO DA UNIDADE E DIVERSIDADE DO SER

O primeiro deles trata da questão da unidade e diversidade do ser. Essa questão, que teve conseqüências importantes nos âmbitos físico, biológico, social e psíquico, requer uma interpretação existencial que elabore uma compreensão propriamente filosófica do tema.
No âmbito físico, a questão da unidade e diversidade do ser pode ser pensada a partir das posições de dois pensadores gregos do período inicial da filosofia convencionalmente chamado de pré-socrático. A posição de Heráclito se expressa paradoxalmente através do fragmento que diz:

“Tudo é um e o todo é em si mesmo diversificado”.

Essa perspectiva afirma simultaneamente a unidade do ser em sua totalidade – na medida em que compreende todos os seres interligados compondo uma unidade totalizadora - e a diversidade do ser em sua multiplicidade. Por outro lado, negando qualquer unidade abrangente que abarque todos os seres existentes, Demócrito expressa sua visão fragmentária da existência afirmando que:

“A matéria é constituída por átomos”

Essa perspectiva inaugura uma interpretação materialista da existência na medida em que interpreta a realidade a partir das condições materiais da existência. Ela compreende a unidade do ser apenas em sentido parcial, referente à integridade das coisas existentes, cujos átomos integram a unidade de cada objeto, sem compor com outros objetos uma unidade totalizadora.
Essas perspectivas tiveram desdobramentos diferenciados ao longo da história do pensamento. A perspectiva de Heráclito ganhou um reforço com o advento da Física clássica através da explicação de Newton do fenômeno da atração gravitacional entre os corpos, na medida em que se compreendeu que dois corpos quaisquer do universo estão interligados pela atração gravitacional, cuja intensidade é proporcional à massa de cada um e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles.
Já a perspectiva de Demócrito foi em parte confirmada pela física contemporânea e em parte rejeitada. A confirmação se deu pela compreensão de que a matéria é sim formada por átomos, no entanto, os átomos não são indivisíveis como pensava Demócrito, ao usar essa palavra que em grego significa indivisível.
No âmbito biológico da questão, a unidade e diversidade do ser pode ser considerada a partir da compreensão dos ecossistemas que compõem uma unidade constituída por uma diversidade de espécies interagindo e contribuindo desse modo para a sustentabilidade da vida nessa meio. Essa biodiversidade tem sido compreendida como o principal fator para a manutenção do equilíbrio de um ecossistema através do fenômeno da regulação mútua entre as espécies no ciclo da cadeia alimentar.
No âmbito social da questão, a unidade e diversidade do ser pode ser considerada em termos da unidade social constituída pelas coletividades humanas e a diversidade em termos dos diversos indivíduos participantes do coletivo. A individualidade precisa ser valorizada em sua singularidade e vivida através do processo de diferenciação individual no qual os seres exercem sua diferença e são respeitados nesse exercício. A união da coletividade em função de seus propósitos também precisa ser valorizada como coesão e promovida através da integração entre os membros gerada pelo sentido da solidariedade. Isso possibilita pensar numa harmonização desses princípios de unidade e diversidade social através da noção de uma individualidade solidária que evita os exageros extremistas do individualismo, por um lado, e do coletivismo, por outro. No caso do coletivismo, como tem ocorrido nos sistemas totalitários dos países comunistas, há um prejuízo do exercício da individualidade que é imposto em nome da coletividade, sacrificando a liberdade individual. No caso do individualismo, como ocorre nos sistemas excludentes dos países capitalistas, há um prejuízo da coletividade em favor de alguns indivíduos que são economicamente privilegiados e que desenvolvem uma forma de egoísmo nociva à existência em sociedade na medida em que se tornam indiferentes às condições de vida de muitos outros seres que experimentam a pobreza e a miséria, perdendo com isso o sentido de solidariedade e gerando uma fragmentação social devido às tensões desencadeadas que fazem surgir conflitos vividos de modo violento.
Com relação ao âmbito psíquico da questão, a diversidade psíquica é experimentada por cada um de nós na medida em que diferentes características da personalidade emergem nos diversos contextos em que vivemos nossas relações. A personalidade tende a desenvolver em cada contexto as características mais apropriadas a ele de modo que a personalidade se torna múltipla e isso gera a necessidade de uma integração da personalidade que produza um sentimento de unidade psíquica. Essa integração é algo que se conquista ao longo de um lento processo de amadurecimento no qual se busca dar coerência à personalidade, buscando os nexos entre essas diferentes características da personalidade. Caso isso não ocorra, a pessoa experimenta uma dissociação da personalidade, na qual características opostas e contraditórias emergem produzindo uma tensão interna que pode se intensificar gerando um conflito interior que nos casos mais graves conduzem a pessoa a crises, nas quais ela experimenta um grande sofrimento psíquico.
Por fim, no âmbito existencial, que é o âmbito propriamente filosófico da questão da unidade e diversidade do ser, coloca-se a questão do sentido da existência. Na medida em que cada um experimenta uma singularidade na elaboração do sentido existencial, de tal modo que só o próprio ser pode dar sentido a sua existência, há uma diversidade de sentidos existenciais correspondente aos diversos modos como cada um elabora seu projeto existencial (ou projeto de vida). Porém, como cada um compartilha seu mundo com outros seres, o projeto existencial precisa integrar esses outros no seu processo de realização alcançando o sentido da unidade existencial que inclui os outros no seu sentido existencial.

A QUESTÃO DA PERMANÊNCIA E DA MUDANÇA DO SER

Podemos agora iniciar a discussão sobre o tema da Permanência e da Mudança do Ser, a partir das perspectivas de dois pensadores gregos da antiguidade: Heráclito, já abordado anteriormente, e Parmênides, cujo pensamento se opõe ao de Heráclito quanto a esse assunto.
Entre os pensadores do primeiro período da história da filosofia, convencionalmente chamado de pré-socrático, Heráclito é aquele de quem nos restou a maior quantidade de fragmentos de seus escritos, que de modo geral se apresentam numa linguagem poética, repleta de metáforas cujo simbolismo gerou desde então uma certa dificuldade na interpretação de sua perspectiva, marcada pela busca de compreender a realidade em sua natureza (physis, em grego).
Um de seus fragmentos mais importantes para a compreensão de seu pensamento expressa sua perspectiva do ser em constante mudança dizendo:

“Tudo flui. Não se entra duas vezes no mesmo rio.”

Através dele, podemos compreender a comparação que Heráclito faz entre a realidade do ser e as águas de um rio. A realidade é pensada como um fluxo de acontecimentos assim como um rio, considerado como o fluxo das águas em seu leito. Desse modo, o ser é compreendido como um vir-a-ser ou tornar-se, isto é, o ser é aquilo que vem a ser, aquilo que se torna, a cada momento algo novo, em contínua transformação.
Por outro lado, Parmênides, de quem nos restou o mais longo texto, entre os assim chamados pré-socráticos, opôs-se a Heráclito, considerando que essa realidade que ele dizia estar em permanente mutação era apenas a realidade aparente, perceptível através dos sentidos, passível de engano, iniciando com isso a distinção entre realidade e aparência, na medida em que compreendia o ser como o que é e permanece sendo essencialmente o mesmo, portanto imutável em sua essência. Dizia ele:

“O ser é. O não-ser não é”

Com isso, Parmênides estabelece o que ficou conhecido posteriormente como o princípio lógico da identidade, segundo o qual o ser permanece idêntico a si mesmo, o que permite pensar a identidade do ser, que em sua essência permaneceria imutável. Assim, o que muda na realidade aparente perceptível pelos sentidos, ou seja, o que vem a ser, para ele, já não é mais o que era, portanto o vir-a-ser é um não-ser.
Essa interpretação abstrata do ser que considera equivalente ser e pensar inaugura o que ficou conhecido desde a antiguidade como pensamento metafísico, no sentido de compreender o ser como uma realidade para além da realidade física perceptível pelos sentidos, como diz o significado da palavra metafísica em grego, na medida em que o radical grego meta é traduzido como além.
A perspectiva metafísica de Parmênides teve grande influência sobre o pensamento dos filósofos clássicos da Grécia antiga Sócrates, Platão e Aristóteles. Abordaremos então as concepções destes que refletem a influência da concepção do ser de Parmênides sobre o pensamento deles.
Sócrates, personagem de grande importância na história da Grécia antiga, surge nas ruas e praças de Atenas dialogando com os gregos, de modo diferente de seus contemporâneos conhecidos como sofistas, os quais eram considerados por ele como pensadores hábeis no uso da linguagem para fins de persuasão, habilidade que ficou conhecida como retórica.
Sócrates buscava se diferenciar dos sofistas através de uma atitude que ficou conhecida como a ironia socrática, através da qual ele questionava seus interlocutores sobre aquilo que eles consideravam saber, procurando levá-los a uma postura de humildade que tornasse possível partirem em busca do conhecimento da verdade sobre as coisas sem a presunção de já possuírem um saber completo e definitivo sobre as mesmas.
Sócrates dizia ter recebido de Apolo, o deus-sol grego (responsável pela clareza tanto externa, no sentido da luminosidade, quanto interna, no sentido do entendimento) a missão de promover a busca pelo auto-conhecimento, de acordo com a inscrição na fachada do templo de Apolo em Delfos que dizia: “conhece-te a ti mesmo”.
Assim, Sócrates buscava levar seus contemporâneos a procurarem conhecer o que realmente podiam saber sobre as coisas, através de um procedimento que ele chamou - em homenagem a sua mãe, que era uma parteira chamada Maia - de Maiêutica.
A Maiêutica socrática era o procedimento através do qual Sócrates conduzia seus interlocutores a parirem seu real conhecimento sobre os assuntos considerados, por meio da busca da verdade (em grego, alethéia, que significa desencobrimento) universal, eterna e imutável sobre cada coisa, considerada como o que essa coisa é em si mesma, ou seja, de modo geral e abstrato, portanto, o que essa coisa é em sua essência, correspondendo assim ao sentido do ser na perspectiva de Parmênides.
Platão, por sua vez, é quem inicia o modo discursivo na escrita de textos filosóficos em forma de diálogos cujo personagem principal é Sócrates, tornando-se a principal fonte de conhecimento do pensamento socrático e o primeiro a desenvolver uma apresentação lógico-conceitual da filosofia. Sendo discípulo de Sócrates, seu pensamento muitas vezes confunde-se com o de seu mestre, tornando difícil a tarefa de distinguir o que é próprio de cada um, pois Platão muitas vezes parece atribuir a seu mestre suas próprias concepções.
O principal conceito platônico é a idéia, ou forma ideal (em grego, eidos), que é o modelo (em grego, paradigma) perfeito e imutável de cada coisa, de tal modo que as coisas percebidas pelos sentidos são consideradas por ele como reproduções, cópias ou imitações de suas formas ideais. A percepção das coisas existentes serviria apenas para que a alma do homem, que Platão considerava imortal, pudesse recordar a idéia de cada coisa que já possuía antes de nascer, quando participava do mundo das idéias. Segundo essa teoria platônica do conhecimento, conhecida como teoria da reminiscência, a percepção sensível de cada coisa só tinha valor na medida em que conduzisse o ser ao conhecimento (em grego, episteme) da idéia perfeita e imutável dessa coisa, ou seja, ao que essa coisa é em sua essência, correspondendo assim à concepção do ser de Parmênides.
Já Aristóteles, que foi discípulo de Platão, se opôs a seu mestre, considerando que este havia exagerado na desvalorização da percepção sensível, e conseqüente separação entre o mundo das idéias e o mundo sensível. Ele propõe então que se considere um único mundo no qual cada coisa teria dois aspectos distintos, um que ele chamou de substância (em grego, ousia) e que seria aquilo que faz com que uma coisa seja o que ela é, e outro que ele chamou de acidente, na medida em que é um aspecto acidental, que pode ocorrer de estar presente ou não nessa coisa, algo que varia entre os diversos individuos da mesma espécie, e portanto, um aspecto secundário em relação à substância, que corresponde à essência imutável dessa coisa, e desse modo reflete a influência da concepção do ser de Parmênides.
Bem outro foi o destino das concepções de Heráclito, cujo pensamento foi tido por enigmático durante muitos séculos, particularmente na Grécia antiga, onde ele ficou conhecido como “Heráclito, o obscuro”, pela dificuldade encontrada pelos gregos antigos na interpretação de suas perspectivas expressas em linguagem poética.
No entanto, a partir do século XIX, a filosofia moderna retoma a concepção do vir-a-ser de Heráclito com a formulação da dialética pelo filósofo alemão Hegel, cujo pensamento desenvolve uma interpretação idealista da realidade histórica. Ele elabora uma compreensão das transformações históricas das idéias interpretando o vir-a-ser do espírito-do-tempo (em alemão, zeitgeist), como a transformação histórica da visão-de-mundo de uma época.
Segundo a dialética idealista de Hegel, a história humana é interpretada como uma sucessão de épocas históricas, cada uma delas caracterizada pela visão-de-mundo predominante naquele período, de tal modo que cada época é sucedida por uma outra que se contrapõe à anterior, gerando uma contradição entre as visões-de-mundo associadas às sucessivas fases da história. Isso ocorreria, segundo Hegel, pela tendência inerente ao espírito humano em cada época histórica de buscar a superação (em alemão, aufheben) do espírito-do-tempo característico desse período.
A partir do esquema da lógica dialética criada por Hegel, no qual cada época histórica pode ser associada a uma tese que expressa a visão-de-mundo predominante nesse período, considera-se que a essa tese se opõe à antítese que se desenvolve em seguida, quando uma nova visão-de-mundo supera a anterior. A essa antítese se contrapõe a nova visão-de-mundo que surge como síntese, buscando conciliar a oposição entre a tese e a antítese, desenvolvendo então uma terceira posição que se diferencia de ambas.
Hegel foi o mestre de Marx, que assimilou dele seu pensamento dialético, dando-lhe, no entanto, uma interpretação materialista, através da qual compreendia a realidade histórica a partir do modo como são produzidas as condições materiais da existência. Isso significa que enquanto Hegel interpretava a realidade a partir das idéias, Marx o fazia a partir do modo de produção dos bens materiais necessários à existência da sociedade. O materialismo dialético de Marx compreendia assim a oposição entre as épocas históricas como expressão de uma luta entre as classes dominantes e dominadas, que determinaria o sentido da mudança social em seu vir-a-ser dialético.

EXISTÊNCIA E ESSÊNCIA

Desde a antiguidade, o pensamento filosófico discute a questão ontológica relativa à essência do ser. Quando Heráclito interpretou a existência enquanto um vir-a-ser, provocou nos pensadores eleatas, particularmente em Parmênides, uma reação que os levou a conceber o ser como algo essencialmente imutável.
Essa concepção do ser como essência imutável influenciou a filosofia clássica grega nas concepções de Sócrates, do ser verdadeiro; de Platão, da idéia enquanto modelo perfeito do ser; de Aristóteles, da substância, como conceito universal abstrato do ser.
Após o longo período medieval em que predominou um pensamento religioso cristão, que incorporou a perspectiva platônica através do pensamento de Agostinho, e a perspectiva aristotélica através do pensamento de Tomás de Aquino, a interpretação da existência humana é renovada, com o Renascimento, no sentido de ser considerada a partir da nova busca de conhecimento, caracterizada pela emergência do interesse pela formulação do método adequado à produção do conhecimento científico, o que ganhou maior evidência a partir das descobertas de Galileu.
Com esse desejo de formular um método seguro para o conhecimento científico, Descartes, após ter estudado amplamente o conhecimento disponível, inicia uma série de meditações nas quais desenvolve um percurso de questionamentos relativos à validade das informações obtidas. Após pôr em dúvida a validade das informações disponíveis pela fragilidade de seus métodos de produção de conhecimento, ele põe em dúvida a validade do conhecimento obtido através de suas próprias percepções sensíveis, à medida em que os sentidos poderiam enganá-lo, gerando percepções ilusórias dos fenômenos. Em seguida, Descartes chega a pôr em dúvida até mesmo sua própria existência, mas assim compreende que mesmo que duvide de tudo, ao duvidar ainda está pensando, e se está pensando, ele pode concluir, com certeza, que ele existe como ser pensante, ou, nos termos em latim que usou, como res cogitans, isto é, uma coisa pensante ou substância pensante. E se ele pode ter certeza de sua existência enquanto ser pensante, ele pode então concluir que possui extensão física pois ocupa lugar no espaço. Isso caracteriza a compreensão do ser por Descartes como um dualismo psicofísico, na medida em que é um ser pensante e um ser extenso, ou seja, mente e corpo.
Descartes desenvolve assim sua interpretação racionalista da existência, na qual supõe a existência de idéias inatas, que dão à razão o papel mais essencial na produção do conhecimento. A essa posição racionalista, opuseram-se os filósofos ingleses da corrente empirista, particularmente Francis Bacon, John Locke e David Hume, que defendiam o uso do raciocínio indutivo, que produz generalizações a partir da observação de uma certa quantidade de casos particulares de fenômenos percebidos na experiência. Isso levava os pensadores empiristas a privilegiarem o papel da sensibilidade na produção do conhecimento, que se daria a partir das impressões produzidas pelos objetos percebidos na experiência.
Diante da oposição entre racionalistas (Descartes, Leibnitz) e empiristas (Bacon, Locke, Hume), surge o pensamento de Kant buscando realizar uma síntese entre estas perspectivas que ele compreendia como os procedimentos associados a duas faculdades humanas que cooperam para a produção do conhecimento, a saber: a sensibilidade e o entendimento.
Kant considerava que o conhecimento seria produzido a partir da percepção sensível dos objetos, que produzem sensações, as quais são reunidas, formando as intuições. O entendimento seria responsável por selecionar os aspectos percebidos no objeto que constituirão o conceito desse objeto. Ele considera de modo especial os conceitos que dão forma à percepção dos fenômenos e que são produzidos a priori pelo entendimento, que são os de espaço e tempo. Desse modo, o ser é compreendido por Kant como um sujeito racional dotado da faculdade do entendimento capaz de produzir a priori os conceitos que condicionam a percepção sensível, particularmente o espaço e o tempo. E esse sujeito que conhece os fenômenos pode também ser considerado enquanto sujeito de ações, cuja vontade determina a priori sua conduta de forma racional.
Essa perspectiva kantiana ficou conhecida como Idealismo Transcendental por considerar a realidade a partir do ponto-de-vista de uma racionalidade apriorística exercida pelo entendimento e pela vontade.
Pouco depois, surgiu um outro filósofo idealista, Hegel, que buscava compreender a realidade a partir da visão-de-mundo predominante em cada período histórico, considerando as transformações históricas das sociedades como sendo marcadas por uma tendência à superação por meio da oposição. Essa lógica de contradição ele chamou de dialética e nela o ser é compreendido em seu vir-a-ser histórico dialético, em contínua transformação de sua ideia, tornando-se sucessivamente o oposto do que era.
Em seguida, um aluno de Hegel, Marx, desenvolve uma interpretação dialética da existência, invertendo a perspectiva idealista de seu mestre e desenvolvendo uma abordagem materialista na qual o ser é compreendido em seu vir-a-ser histórico dialético a partir do modo como produz as condições materiais de sua existência.
Na mesma época, outro pensador alemão, Nietzsche, desenvolve uma crítica radical das interpretações metafísicas da existência a partir de um exame genealógico da história do surgimento e desenvolvimento das formas de valoração moral das condutas e modos de pensamento, por meio do qual ele elaborou uma interpretação da existência em seu vir-a-ser, na qual o ser vivo é compreendido através do conceito de vontade de potência. Esta é a resultante da dinâmica dos impulsos do corpo, na medida em que um destes impulsos torna-se mais forte e passa a conduzir o ser no sentido de buscar aumentar sua potência vital. Assim, ele pensa o sentido da existência humana como sendo o da contínua auto-superação segundo a efetivação de sua vontade de potência.
O filósofo que fez da Ontologia o tema permanente de seu pensamento foi Heidegger. A partir da influência de seu mestre Husserl, criador da Fenomenologia, Heidegger elabora uma interpretação da existência humana como um ser-no-mundo compreendido a partir de seu projeto existencial formulado de modo singular através de uma experiência de apropriação de si mesmo, desencadeada pela angústia vivida diante da abertura de possibilidades existenciais.
A filosofia existencial de Heidegger influenciou dois pensadores franceses que elaboraram a perspectiva do existencialismo: Sartre e Merleau-Ponty. Sartre considera que, ao elaborar seu projeto existencial, o ser-no-mundo faz escolhas por meio das quais ele se torna sujeito de sua história. Segundo Sartre, o ser humano é livre para escolher e responsável pelas escolhas que faz, particularmente quanto às conseqüências políticas de suas escolhas, em relação às quais ele experimenta um engajamento, enquanto participação ativa na vida política de sua nação.
Merleau-Ponty acrescenta às perspectivas elaboradas por Sartre e Heidegger uma reflexão sobre a vivência do ser-no-mundo no processo de superação dos limites de sua condição existencial, o que faz dele um ser transcendente em relação a si mesmo.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Autonomia, liberdade e singularidade

Para Nietzsche, a autonomia individual é uma conquista que acontece ao longo de um processo prolongado de libertação da moral, para que o indivíduo soberano se realize como ser humano pela vontade própria que se torna capaz de fazer promessas.
A autonomia individual pode ser considerada condição para a autonomia social.
Assim, a autonomia é discutida, antes, como questão ética, e só então problematizada como questão política.
Conquista-se autonomia, segundo Foucault, a partir de uma libertação que ocorre pelo exercício individual de práticas de liberdade e desenvolvem a ética de um cuidado de si, o que torna socialmente possível a libertação de relações de poder, que se caracterizam por exercerem um controle e uma dominação opressora dos indivíduos.
Para Foucault, a tarefa crítica da filosofia seria sua função principal de questionar as relações de dominação em todos os campos da existência.
As relações de dominação que se tornam objeto de crítica para o pensamento filosófico são, no entanto, formas específicas, diferenciadas, de relações de poder. E é nas relações de poder que se encontram as práticas de liberdade.
Portanto, podemos experimentar uma espécie de deslocamento do significado de relação de poder.
Surge assim a possibilidade de se evitar os efeitos de dominação nos jogos estratégicos das relações de poder, através de relações de resistência.
Essa resistência que constitui as práticas de liberdade é que torna possível ocorrer a libertação mais ampla, que possibilita outras relações de poder.
E essa libertação, por sua vez, se torna condição política ou histórica para uma prática de liberdade, que, quando ocorre de modo refletido, passa a constituir uma ética, o que Foucault buscou compreender a partir da experiência dos gregos e romanos que se ocuparam com o cuidado de si.
Em sua qualidade ética, o cuidado de si implica relações complexas com os outros.
Se os gregos e romanos se ocuparam assim do cuidado de si como práticas de liberdade, por outro lado, posteriormente, as relações de poder nas instituições modernas não preservaram nas práticas de si a mesma autonomia.
A liberdade praticada através do cuidado de si, pensada como uma ética singular alcança então um significado político ao resistir à dominação nas relações de poder, visando o exercício de um domínio de si que se expressa no termo grego arché.
O que Foucault procurou mostrar foi, principalmente, como o próprio sujeito se constituía, sua autoformação, nessa ou naquela forma determinada, através de certas práticas de liberdade nas relações de poder, com as quais conquista o domínio de si, que caracteriza sua autonomia.
Já em relação à libertação social, Deleuze e Guattari propõem que se desencadeiem, através do que eles chamam de agenciamentos coletivos, uma singularização da produção de subjetividade que desterritorialize os modelos de subjetivação opressores.
Essa desterritorialização ocorre quando os agenciamentos se tornam dispositivos rizomáticos, isto é, ramificadores dos impulsos de subjetivação singularizantes.
Vemos assim que a autonomia requer práticas de liberdade que desencadeiem processos de singularização.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Dança e estética da existência

A DANÇA DO DEVIR
Ivan Maia de Mello

A vida, interpretada como algo em constante mutação, encontra na dança sua metáfora plena de fluência imprevisível, leveza incorporada, graça transfiguradora e criatividade lúdica.
Em seu vir a ser, a vida se mostra numa dinâmica de impulsos que tomam corpo na vivência do acontecimento, de modo que se pode pensá-la como uma improvisação em dança que, à medida que desenvolve um domínio de suas possibilidades, aproxima-se da plenitude da realização criadora.
O devir, simbolizado inicialmente por Heráclito como um rio no qual não se entra duas vezes no mesmo, é antes de tudo fluxo. Fluxo de impulsos, de forças, de energias. A fluência da energia vital nos acontecimentos é assim interpretada como correnteza. E assim como as correntezas dos rios com seus meandros é o devir da vida.
Zaratustra, personagem de Nietzsche em sua obra Assim falou Zaratustra, dizia que o devir queria que ele o ensinasse a falar. E falou assim: “Somente dançando sei falar em imagens das coisas mais valiosas”. A dança é, assim, o modo de Nietzsche simbolizar o devir. E se para ele o devir é uma dança é por ser constituído de acaso e caos, isto que Zaratustra diz ser preciso ter ainda dentro de si para dar à luz uma estrela dançante. Este é o devir cósmico do caos, a dança cósmica da criação do universo, ou, como disse Zaratustra, “a divina dança do devir”.
Aceitar a casualidade do devir é condição para exercer domínio sobre as possibilidades de tornar-se o que se é, isto é, dar ao devir o caráter do ser, como disse Nietzsche em um de seus fragmentos de anotações publicadas postumamente.
A imprevisibilidade da vida foi considerada por Nietzsche como qualidade inerente a esse processo de tornar-se o que se é, o qual foi enunciado originariamente pelo poeta grego Píndaro como um imperativo ontológico. Diz Nietzsche em sua autobiografia Ecce homo: “Que alguém se torne o que é pressupõe que não suspeite sequer remotamente o que é.” Isso é o que significa a fluência imprevisível que se atribuiu à vida e que torna necessário que se saiba e se possa improvisá-la como uma dança.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Cura e apropriação de si

A partir de uma concepção de saúde pensada como exercício efetivo da potência vital do corpo, em suas relações com outros seres e ambientes, a cura surge no pensamento filosófico como uma reapropriação de si, de suas possibilidades mais próprias, que expressam a singularidade de seu sentido existencial.
A doença, pensada a partir do médico e epistemólogo Canguilhem, enquanto perda de flexibilidade na capacidade corporal de criar normas para o desempenho de suas funções orgânicas, é interpretada como o que desafia a renovação de forças vitais necessárias à efetivação do projeto existencial de realização pessoal.
A superação da crise desencadeada pela doença se dá pela recuperação da potência vital de uma saúde considerada mutável e múltipla. O desafio instaurado com a crise do adoecimento torna necessário um retorno a si no qual se recebe de volta sua tarefa existencial de dar sentido à vida, como uma “gravidez inconsciente” da qual falou o filósofo Nietzsche.
A convalescença se inicia com a tomada de decisão provocada pelo impulso de superação da crise, e se manifesta na forma de um cuidado de si que, através de cuidados terapêuticos, gera a disposição para enfrentar dificuldades maiores do que as que se tinha antes do adoecimento: o esforço dedicado a reconquistar a saúde, recriando-a propriamente como uma nova normalidade singular.
Isso conduz a uma apropriação dos meios disponíveis, em termos de recursos e dons, a serem empregados com toda fé na revitalização do corpo em sua complexa harmonia, naturalmente diversificada e dinâmica.
O mais importante desses meios de cura é a alegria. Uma alegria que não pode ser dependente da existência de motivos para tal, e sim uma alegria afirmadora do amor à vida em sua finitude existencial, que possibilita a transcendência da auto-superação, como caminho para uma grande saúde.