quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Cura e apropriação de si

A partir de uma concepção de saúde pensada como exercício efetivo da potência vital do corpo, em suas relações com outros seres e ambientes, a cura surge no pensamento filosófico como uma reapropriação de si, de suas possibilidades mais próprias, que expressam a singularidade de seu sentido existencial.
A doença, pensada a partir do médico e epistemólogo Canguilhem, enquanto perda de flexibilidade na capacidade corporal de criar normas para o desempenho de suas funções orgânicas, é interpretada como o que desafia a renovação de forças vitais necessárias à efetivação do projeto existencial de realização pessoal.
A superação da crise desencadeada pela doença se dá pela recuperação da potência vital de uma saúde considerada mutável e múltipla. O desafio instaurado com a crise do adoecimento torna necessário um retorno a si no qual se recebe de volta sua tarefa existencial de dar sentido à vida, como uma “gravidez inconsciente” da qual falou o filósofo Nietzsche.
A convalescença se inicia com a tomada de decisão provocada pelo impulso de superação da crise, e se manifesta na forma de um cuidado de si que, através de cuidados terapêuticos, gera a disposição para enfrentar dificuldades maiores do que as que se tinha antes do adoecimento: o esforço dedicado a reconquistar a saúde, recriando-a propriamente como uma nova normalidade singular.
Isso conduz a uma apropriação dos meios disponíveis, em termos de recursos e dons, a serem empregados com toda fé na revitalização do corpo em sua complexa harmonia, naturalmente diversificada e dinâmica.
O mais importante desses meios de cura é a alegria. Uma alegria que não pode ser dependente da existência de motivos para tal, e sim uma alegria afirmadora do amor à vida em sua finitude existencial, que possibilita a transcendência da auto-superação, como caminho para uma grande saúde.

Nenhum comentário: