quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Corpo e cultivo de si

O corpo é pensado filosoficamente como o ser próprio (self) a partir do qual surgem pensamentos e sentimentos, e cuja vontade reúne e coordena a multiplicidade de impulsos, pulsões, instintos, desejos e inclinações do ser humano.
O pensamento filosófico cria seus conceitos a partir da intuição produzida pela sensibilidade que é corporal e interpreta a realidade da vida segundo a perspectiva própria a sua condição existencial. A singularidade de sua perspectiva se encontra no modo como alguém se apropria de si mesmo, incorporando os valores que possibilitam o desenvolvimento de seus dons, talentos e capacidades, no sentido da criação de um modo de vida pleno de realizações.
A abundância de vitalidade característica da grande saúde é a condição fisiológica que torna possível uma intensificação dos sentidos mais vitais à autocriação do ser humano. A vivência do prazer potencializa seu processo imanente de transcendência no qual o ser humano supera a si mesmo, criando para além de si a vida como uma obra de arte.
É a partir de uma aceitação integral da realidade da vida em constante vir a ser que se desenvolve a alegria espiritual capaz de conhecer o mundo em que se situa sua existência e agir nele de modo a produzir as condições favoráveis à expansão de sua forma de vida.
O amor próprio é o que torna possível a transmutação dos afetos ressentidos e desvitalizantes numa afirmação corajosa da existência que se lança na aventura de tornar-se o que se é. Esse amor próprio se manifesta principalmente na forma do cuidado de si que desenvolve um modo singular de subjetivação capaz de libertar-se dos processos de normalização disciplinares que modelam a subjetividade e com isso desencadear a heterogênese da produção de subjetividade.
Isso requer a criação de uma ética singular que promova uma estética da existência e resista às relações de poder que tendem a exercer um controle das sensações e uma repressão de emoções, particularmente as que constituem a sexualidade. Isso possibilita que se dê uma tonalidade entusiasmada ao ânimo. A noção de virtude que emerge dessa ética singular é a de uma felicidade que não mais se busca alcançar como ideal, mas de uma condição de humor disposta a uma ampla experimentação de vivências enriquecedoras do espírito.
Desse modo, pode-se superar o ideal consumista de felicidade da sociedade contemporânea influenciada pelas potências econômicas imperialistas do mundo e improvisar modos de vida que produzam uma nova experiência orgânica de ambientação e atividade, onde o labor, a alimentação, o descanso, o sexo e as demais ocupações se apóiem no potente metabolismo da condição fisiológica de um corpo criador preparado para a dança da vida.

Ivan Maia de Mello

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