domingo, 7 de outubro de 2007

Ética da transvaloração

A questão da ética é considerada aqui em relação aos valores que orientam a conduta do indivíduo em suas relações consigo mesmo, com os outros indivíduos e com o ambiente onde vive. Esse modo de ser é instaurado pelas atitudes que constituem a conduta individual e foi denominado pelos gregos da antiguidade como o ethos.
A partir da consideração da diversidade de condutas adotadas pelos indivíduos na convivência em sociedade, a questão que se coloca quanto à ética é a da avaliação dos diferentes modos de existência no que se refere aos valores que orientam suas condutas.
Se considerarmos a vida como valor supremo – não apenas a vida de um indivíduo ou de uma espécie, mas todo o fenômeno da vida, pensado do modo mais abrangente possível a partir de uma perspectiva ampla, na qual a biodiversidade aparece como valor superior – podemos então avaliar as ações humanas quanto a sua potência vital. A potência vital de uma ação é o seu poder de aumentar a vitalidade dos que estão envolvidos na ação, de potencializar um modo de vida para torná-lo pleno de realizações, abundante de possibilidades, exuberante em suas manifestações existenciais.
Partindo da concepção do ser vivo caracterizado por seu processo de autocriação - ou auto-organização, como se diz em Biologia – pode-se compreender o ethos como o modo de se conduzir na criação de sua forma de vida. Essa criação se dá através de um projeto existencial, por meio do qual o ser humano dá sentido a sua existência.
Portanto, a questão ética da avaliação dos valores que constituem seu modo de vida passa pela análise dos valores que orientam seu projeto existencial de autocriação. A realização de um projeto existencial enquanto exercício de uma vontade pode ser pensada como resultado da dinâmica dos impulsos em jogo na existência do indivíduo, impulsos que buscam se efetivar e que precisam ser avaliados quanto à vitalidade dos valores dos quais esses impulsos são portadores.
Os impulsos mais vitais são assim superiores do ponto de vista ético pois tornam mais vigorosa sua forma de vida. Daí surge a necessidade de se desenvolver um cuidado do ser, da relação com outros seres e ambientes em que se vive. Esse cuidado de si requer um autoconhecimento que possibilite escolher os valores apropriados para o projeto existencial, intensificar os impulsos vitalizantes e selecionar os encontros e relações que mais se afinam ou se harmonizam com seu sentido de autocriação.
A questão da ética remete então à questão política das relações de poder, que refletem o jogo de forças na dinâmica dos impulsos formadora da vontade. Essas relações de poder permeiam as relações humanas e produzem prazer e sofrimento, liberdade e opressão. Torna-se necessário assim que o ser liberte-se das relações de poder que enfraquecem seus impulsos mais vitais para vivenciar relações de poder criativas, afetivas, vitalizantes. Para isso, o ser humano precisa ser capaz de resistir às relações de poder opressoras, enquanto prepara sua libertação. Em alguns casos, torna-se necessário transgredir limites impostos ao crescimento e expansão das forças vitais, embora toda condição existencial seja limitada em suas possibilidades, quer sejam os limites determinados pelo auto-domínio ou pelo controle exercido através de relações de poder de natureza moral ou política.
A superação dos próprios limites, enquanto auto-superação de seu modo de existência, é um impulso inerente ao ser vivo e prioritário em relação ao impulso de adaptação às condições do meio onde vive. Com isso, podemos considerar a singularidade da autocriação como o modo próprio que o ser humano encontra para conduzir-se (ethos) em relação a si mesmo, aos outros e ao ambiente onde vive. Isso é o que poderíamos chamar, pensando na vida como obra de arte, o estilo pessoal na arte de viver, caminho para tornar-se o que se é.

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