terça-feira, 16 de outubro de 2007

Vontade e vitalidade

A questão da vitalidade surge no pensamento filosófico quando se considera a condição fisiológica desde a qual se desenvolve um ponto de vista, uma perspectiva, a partir de uma intuição. O pensamento filosófico pode então ser avaliado quanto a sua vitalidade quando se toma a vida, em sua potência de tornar-se vigorosa, diversificada, exuberante, como valor supremo.
A primeira questão que surge para apreciação do valor de um pensamento quanto a sua vitalidade é a de sua relação ontológica com o devir, o constante movimento do vir-a-ser, o fluxo incessante de acontecimentos na existência ou a dinâmica da realidade em permanente mutação. Um pensamento vitalizante é aquele que afirma o devir, o prazer de que se faça o devir, e com isso torna-se capaz de amar a vida como ela é, aceitando-a ativamente em sua integridade. Por outro lado, um pensamento decadente é o que se mostra incapaz de tal afirmação e se ressente da transitoriedade da existência, como é o caso de toda a tradição metafísica que valoriza mais a suposta permanência do ser em oposição à transitoriedade do devir.
Por isso mesmo, o pensamento que afirma o devir é o que pode desenvolver a potência singular de criação de um modo próprio de vida enquanto processo contínuo de autocriação que se dá a partir de sua condição existencial pela incorporação dos valores mais vitais a sua auto-superação. Isto ocorre quando o passado é redimido e transmutado em seu significado que passa a dar sentido ao presente enquanto criação do futuro como projeto existencial.
Para isso, é preciso vivenciar uma libertação dos aspectos de sua condição existencial que impedem o pleno desenvolvimento de sua vitalidade, o que acontece por força da vontade de potencializar a vida no sentido de suas realizações. Isto torna necessário uma apropriação de todos os seus dons, talentos, capacidades, recursos e demais possibilidades existenciais que podem intensificar seus afetos mais importantes, os impulsos entusiasmados, os sentimentos mais elevados, as sensações mais prazeirosas, as emoções mais animadas.
A potência da vitalidade, interpretada como poder de efetivação de um projeto existencial enquanto um modo próprio de vida, é uma conquista de quem se lança na aventura de viver com a coragem de arriscar-se diante das incertezas da vida mantendo altivo seu espírito e alegre seu estado de humor, o que possibilita um domínio das paixões sem necessariamente haver qualquer tipo de controle ou repressão de suas pulsões vitais.
O pathos - termo grego de onde derivam as palavras paixão, simpatia, passivo, paciente, patologia, entre outras - é compreendido como a disposição afetiva que está em jogo na questão da vitalidade. O pathos afirmativo da vontade de potencializar a vitalidade de suas realizações existenciais requer uma grande saúde que não apenas se tem, mas constantemente se conquista, pois sempre se perde, com o dispêndio de energias necessário à efetivação de suas possibilidades mais vitais.
A vitalidade de um modo de vida pode então ser avaliado pela potência do metabolismo corporal em sua capacidade de “digerir” os acontecimentos de sua existência, evitando ressentir-se deles pela transmutação de seus significados, no sentido de tornar vigorosas as forças vitais de seus instintos, desejos e inclinações capazes de superar as perspectivas niilistas presentes na moral, na razão, na religião, na política e em outros setores das atividades humanas, em favor da instituição cultural de uma sensibilidade lúdica que promove a ética do cuidado de si em nome de uma estética da existência.

Um comentário:

Narjara disse...

Ivan, Parabéns pelo seu texto, suas reflexões foram profundas e significativas. Narjara