domingo, 7 de outubro de 2007

Estética da singularidade

A CONCEPÇÃO DA ESTÉTICA FILOSÓFICA
COMO PENSAMENTO PROBLEMATIZADOR DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA
Ivan Maia

A palavra estética se originou da palavra grega aisthesis, que significa algo como a sensibilidade, ou seja, refere-se ao campo de sensações experimentadas na existência enquanto criação. As sensações estéticas envolvem, antes de tudo, o prazer de criar, a partir de um gosto próprio, formas e signos que promovam a vida, num jogo que se abre ao vir a ser como possibilidade singular.
Se, de certo modo, a criação artística imita a natureza, é por tentar reproduzir a dinâmica do real e tornar-se produção (em grego, poiesis) de acontecimentos que, em sua singularidade, torna manifesta a inventividade originária do artista.
Em seu processo criativo, o artista não tem necessariamente que passar pela contemplação da beleza de algum modelo para gerar uma obra de grande valor estético. Sua criatividade depende muito mais da sensibilidade com que vivencia o acontecimento criador da obra de arte.
Por isso, a expressão numa linguagem artística só alcança a realização de um estilo próprio quando se liberta das normas estéticas vigentes que direcionam a criação segundo as tendências predominantes, possibilitando, com essa transmutação de valores, uma experimentação visceral da espontaneidade transfiguradora da imaginação, capaz de transformar simbolicamente o caos percebido na realidade vivida num arranjo harmônico de elementos que passam a ser percebidos, através das metáforas que compõe, enquanto parte integrante do cosmos.
Com suas obras, os artistas participam ativamente de sua cultura, inclusive politicamente, produzindo sentidos que, mesmo que não assumam a vanguarda de um movimento estético, podem superar as tendências massificantes da indústria cultural hegemônica na sociedade, transcender a aridez da erudição inibidora da sensualidade artística e tornarem-se transculturais em suas produções destinadas a universalizar sua singularidade.
Nietzsche, em O filósofo como médico da civilização, diz que “A civilização pode provir unicamente da significação unificadora de uma arte ou de uma obra de arte”, o que aponta para a necessidade de que o mundo que se pretende civilizado venha a valorizar as criações dos artistas no que elas têm de produtoras de subjetividade singularizante, o que depende de uma apropriação artística da realidade vivida socialmente com todo senso crítico que lhe permite “digerir” as circunstâncias da vida, seus problemas, crises de valor, de modo a potencializar o sentido de sua expressão poética.
Para isso, torna-se necessário fazer de nossas próprias vidas obras de arte a serem criadas com todo o vigor da vitalidade poética capaz de afirmar a existência mesmo que ela se manifeste em seu caráter trágico. Isso é o que Nietzsche propõe em O nascimento da tragédia, quando diz: “Devemos sim, por nós mesmos, aceitar que nós já somos, para o verdadeiro criador desse mundo, imagens e projeções artísticas, e que a nossa suprema dignidade temo-la no nosso significado de obras de arte”. Em A gaia ciência, isso é reafirmado assim: “Como fenômeno estético a vida nos é suportável, e por meio da arte nos são dados olhos e mãos e, sobretudo, boa consciência, para poder fazer de nós mesmos um tal fenômeno”.
Para Heidegger, a singularidade da criação artística depende do caráter essencial de sua manifestação. Diz ele em A origem da obra de arte: “Mais essencialmente se manifesta a obra, mais luminosa se faz a singularidade de que ela é”. Isso significa que aquilo que é historicamente essencial à vida cultural de um povo é a principal componente da singularidade de uma obra de arte.

Nenhum comentário: